Clube tem trabalho meticuloso para encontrar talentos na menor província da Espanha, prestigia a cultura local e evita loucuras financeiras para brigar com Real Madrid, Barcelona e Atlético
San Sebastián, Espanha - A Real Sociedad encerra neste fim de semana a sua campanha na LaLiga 2022/23, com uma vaga assegurada na próxima Champions League. O time voltará a disputar o torneio após 10 anos, graças ao sucesso de seu projeto de longo prazo, com valorização da cultura local, identidade de jogo sólida e trabalho minucioso para achar e formar talentos na menor província da Espanha.
Independentemente do resultado contra o Sevilla no domingo, essa é a melhor campanha da Real Sociedad (68 pontos) em LaLiga nos últimos 20 anos. Melhor do que isso, só na temporada 2002/03, do vice-campeonato para o Real Madrid por apenas dois pontos (78 a 76).
Sua última Liga dos Campeões foi em 2013/14, quando passou pelo Lyon nos playoffs, mas ficou em último lugar na fase de grupos, atrás de Manchester United, Bayer Leverkusen e Shakhtar Donetsk.
O ge explica abaixo os principais pontos do projeto da Real Sociedad, que a levou novamente à maior competição de clubes do continente.
“Microscópio” na vizinhança
O trabalho para encontrar novos talentos impressiona. Ele é feito essencialmente em Gipuzkoa, menor província da Espanha, com cerca de 700 mil habitantes. É a terra da Real Sociedad, da cidade San Sebastián.
O nível de detalhamento é tanto que o departamento de futebol de base acompanha a evolução demográfica da região: cidade por cidade, bairro por bairro, nascimentos e migrações.
A meta do clube é que 80% dos meninos de Zubieta, o centro de treinamento da base, sejam oriundos de Gipuzkoa. Nas últimas três temporadas, 30 estrearam na equipe principal.
Em janeiro, levantamento do Observatório de Futebol do Centro Internacional de Estudos de Esporte mostrou que a Real Sociedad era o clube com mais jogadores formados em sua base no elenco principal (17 no total), entre as cinco principais ligas da Europa.
Descobrir e desenvolver jovens jogadores até o nível atual de Zubimendi, Barrenetxea e Oyarzabal é fundamental para a Real Sociedad continuar competitiva e equilibrada financeiramente. Nos últimos 10 anos, o clube investiu € 176 milhões e arrecadou € 233 milhões em transferências de jogadores. Saldo positivo de € 57 milhões (hoje R$ 305,4 milhões).
Centro de Treinamento de Zubieta, onde ficam as categorias de base da Real Sociedad - Foto/LaLiga
Laços com a cultura local
As crianças que entram para uma das nove equipes das categorias de base, entre meninos e meninas, sendo de Gipuzkoa ou não, devem querer compartilhar valores típicos da província, como a família — com destaque para as mães na chefia —, a prática do esporte, o trabalho coletivo, o esforço e a importância da escolaridade.
Em se falando de modelo de jogo, a diretoria defende que “a jogada mais importante é sempre a próxima”, por isso a qualidade do passe é tão exaltada.
A intenção é que esses jogadores fiquem por muito tempo no clube. Entre julho de 2002 até novembro de 2022, por exemplo, a média de permanência foi de sete anos. A direção do futebol trabalha com a seguinte proporção para o elenco adulto: 60% formados na base da Real Sociedad, e 40% dos “melhores” que topem abraçar todo o projeto.
— Não há pressão para os que são de fora se adaptem ou se sentiam de “Gipuzkoa”, mas eles devem abraçar o projeto. Formamos, cuidamos e acompanhamos todas as pessoas em Zubieta, desenvolvendo e fidelizando os talentos da região, para alcançar resultados extraordinários e sustentáveis, que gerem orgulho de pertencer à família Real Sociedad — explicou Roberto Olabe, diretor de futebol do clube desde 2018, ao ge.
Roberto Olabe explica o projeto de trabalho da Real Sociedad — Foto: LaLiga
Evolução sustentável
Roberto Olabe teve seu contrato renovado em janeiro deste ano até o final da temporada 2025/26. Com ele como diretor de futebol, o time principal se classificou para a Liga Europa em três temporadas seguidas e conquistou a Copa do Rei de 2020.
— Queremos ser a Real Sociedad, não queremos parecer com o Villarreal, Red Bull, ou Sevilla. Para isso precisamos ter uma gestão eficiente. Aqui gostamos do conceito de construção, de confiança e de desenvolvimento. Para nós é primordial a palavra “estabilidade”.
A reforma das instalações de Zubieta, iniciadas em 2021 e que irá até 2025, deve custar 30,6 milhões de euros (R$ 165,2 milhões). As obras seguiram mesmo durante os piores anos da pandemia do coronavírus, em que a Real Sociedad teve média de déficit anual de 2 milhões de euros — bem abaixo da média de 20 milhões de outros clubes espanhóis.
“Estabilidade” também define o trabalho do técnico do time masculino principal, Imanol Alguacil. Ele está no comando da equipe desde o fim de dezembro de 2018, ou seja, há quase quatro anos e meio.
Alguacil conseguiu, ao longo desse tempo, realizar uma grande evolução no aspecto defensivo, sem que a equipe deixasse de ser agressiva com a bola. Alguns resultados expressivos nesta temporada foram a vitória sobre o Manchester United, na estreia pela Liga Europa, e os triunfos sobre Real Madrid e Barcelona, no Campeonato Espanhol.
Caso as folhas salariais dos clubes da LaLiga indicassem qual seria a posição na tabela de classificação ao final da competição, a Real Sociedad deveria terminar em sexto lugar. Mas vai ficar em quarto, depois de ocupar a terceira posição durante boa parte da temporada.
Contratações pontuais e eficientes
Quando a Real Sociedad não encontra em sua base os jogadores com as características necessárias para determinadas posições, vai atrás dos melhores — dentro da sua realidade financeira.
Para esta temporada, por exemplo o clube investiu € 53 milhões (R$ 283,9 milhões) em reforços. Dos cinco novos contratados para o elenco principal, três foram os artilheiros do time em 2022/23: Kubo (9 gols), Brais Méndez (10) e Sorloth (16).
Hoje a Real tem observadores em outras províncias e comunidades autônomas (estados) da Espanha, na França, na África e na Escandinávia. Segundo o clube, a abordagem procura ser sensível aos atletas: “são centros de identificação, não de seleção”.
— Quando se quer ser 100% fiel a um modelo, isso te minimiza, porque você não vai ser de todas as maneiras. Então você tem que se aprofundar em todas as características, para evitar as debilidades e potencializar as qualidades. O nosso propósito passar por sermos o que somos todos os dias, é o que nos move, é o fim — afirmou Roberto Olabe.
A valorização dos jovens da região, levando em consideração a cultura local, com uma identidade de jogo bem definida, faz a comunidade se sentir parte importante da Real Sociedad. Ao ponto de mais de 5% da população de Gipuzkoa, ou mais de 37 mil pessoas, ser sócia do clube.